quinta-feira, agosto 25, 2011

Rotineiricidades #2


Quarta-feira. 20:22.

Noite quente, uma constante em Belém, aqui, até mesmo quando chove o clima é quente... e úmido, clima característico da região Amazônica, há quem reclame, há quem goste, há quem se acostume.

Pois bem, era quarta-feira e, como de costume, ele deveria estar em algum bar matando aula ou trabalhando no jornal, nos últimos meses a probabilidade de uma ou outra coisa era praticamente a mesma. Entretanto, justamente nesse dia, ele estava com a cabeça atribulada por pensamentos, muitos, tentava analisar todos os pontos de vista de cada um de seus inúmeros problemas, as possibilidades de resolução, as novas oportunidades que estavam surgindo, tentava avaliar cada pequeno passo que daria e, claro, suas consequências. Com tanta coisa pra pensar, o lógico (pra ele) seria ir andando até sua casa, um trajeto de pouco mais de 10 km, entretanto, cansado como estava, resolvera ir de ônibus mesmo.

Pegou o primeiro que apareceu, o 663, Bengui - F.Patroni, não estava lotado, mas também não estava vazio, todos os assentos estavam ocupados e duas ou três pessoas estavam em pé. Como disse, a noite estava muito quente e rapidamente ele começou a suar, entretanto, de tão íntimo com seus próprios pensamentos, não se deu conta de tal fato. Não percebeu até passar pelo longo (e rápido) trecho da avenida Almirante Barroso que separa as avenidas Júlio César e Tavares Bastos. Com a velocidade que o ônibus alcançou, das janelas abertas, um forte vento inundou todo o ônibus, sacudindo-lhe os pensamentos e trazendo-o de volta ao mundo real.

De súbito estranhou, mas logo sua percepção retornou e ele percebeu onde estava. Ignorava totalmente que ônibus estava e como (ou quando) havia adentrado no mesmo. Olhou atentamente cada uma das pessoas ao redor, todas sérias, compenetradas, imersas em seus próprios pensamentos ou contemplando a rua que passava pelas janelas, cada uma delas mais diferente e particular que a outra. Só uma coisa era constante e absoluta: o silêncio.

Não obstante ao barulho dos carros, as buzinas e a falácia que fluía das ruas, dentro do ônibus reinava o mais absoluto silêncio, ninguém falava com ninguém, todos estavam como que olhando para dentro de si próprios, muito ocupados consigo mesmos, e esse silêncio, esse estado de quase meditação coletiva, arrebatou-o, maravilhou-o. Rubem Alves disse que "Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio". Apesar de admirador de tal autor, ele era ateu mas, mas concordava plenamente com a beleza traduzida ao ouvir-se o silêncio, só não compreendia tal atribuição à uma deidade.

Nesse momento tentou imaginar o que cada um deveria estar pensando, milhares de possibilidades abriram-se-lhe e sua mente viajou a cada um dos universos próprios criados por nós mesmos para que possamos desenvolver nossas ideias e pensamentos. Olhou novamente cada um dos passageiros, ninguém chamava sua atenção, pelo menos não sozinho, o que chamava atenção era o comportamento coletivo, o silêncio de todos. Nesse ponto ele lembrou-se de uma das meditações de Descartes (a terceira, pra ser mais exato) que diz:
"Fecharei os olhos, tamparei os ouvidos, afastar-me-ei de todos os sentidos, apagarei do meu pensamento todas as imagens de coisas corporais, ou, ao menos já que é muito difícil fazê-lo, considerá-las-ei insignificantes e enganosas; e, desta maneira, ocupando-me somente comigo mesmo e considerando meu interior, procurarei tornar-me pouco a pouco mais conhecido e mais familiar a mim mesmo [...]"
Continuou assim até chegar à sua parada. 20:58. Fez sinal. Desceu. Foi pra casa...





Referências:
ALVES, Rubem. Escutatório. Disponível em A Casa de Rubem Alves
DESCARTES, René. Discurso do Método (Os Pensadores). São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999 [original de 1637].
Imagem retirada (e editada) do tópico Sozinho na Multidão do blog Geléia de Insanidade.

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