segunda-feira, dezembro 10, 2012

Rotineiricidades #9 - TV numa quinta-feira à noite

Lembro que a TV estava ligada. Coisa inútil. Servia apenas pra deixar o ambiente com uma luminosidade agradável, interessante, um lusco-fusco oscilante. Ela, a TV, estava no mudo, inclusive...

O único som, minimamente audível, era o roçar dos nossos corpos nos lençóis, já bastante desarrumados. Ela estava deitada de costas pra mim, a uma pequena distância... Cheguei mais perto ao ponto de tocar sua nuca (ou cupim, como nós dois, carinhosamente, chamamos o cangote alheio)...

O contato da minha barba por fazer provocou um sobressalto que a fez se contorcer na cama e aninhar-se no meu peito, o encaixe daquele pequeno corpo foi perfeito. Estremeci e continuei a roçar a nuca dela, deliciando-me deveras com aquele riso solto...

Abracei-a, forçando a brincadeira. O riso virou uma gargalhada. Ela se virou e me empurrou... Fez-se um silêncio indescritível durante o qual trocamos um profundo olhar. Ela passou os braços pelo meu pescoço num caloroso abraço. Tocou o nariz no meu. Recuou um pouco, ainda mantendo aquele olhar carregado de uma inefável cumplicidade. Cumplicidade e todos aqueles sentimentos para os quais não existem palavras, descrições, características, nada. Só sentindo mesmo pra saber...

Poderíamos ter ficado daquele jeito por um milhar de anos. Ou até mais, mas não tínhamos todo esse tempo. Eu sorri, ela também. Trocamos um leve beijo...

- Vamos dormir, minha filha?
- Vamos, pai...





sexta-feira, dezembro 07, 2012

Rosas, cerejas, magentas e madressilvas


Foram os quatro meses mais intensos daqueles 30 e poucos anos de vida de ambos. Marcaram o casamento pro início de abril, uma cerimônia simples ao ar livre, com apenas três convidados (sendo dois deles, os padrinhos), em um Parque na cidade onde viviam.

Era uma manhã idílica. A luz do sol fazia com que as cerejeiras em flor refletissem uma miríade de tons cor-de-rosa, cerejas, magentas e, principalmente, madressilvas... O vento, carregado com o odor doce de flores, misturava-se ao leve acre de terra e grama.

Ao pé de uma imensa cerejeira, o sacerdote, de costas para a árvore, celebrava a união. O casal, ajoelhado dois passos a frente, trocava imperceptíveis carícias com as mãos dadas. Os padrinhos margeavam o casal, sentados de pernas cruzadas no gramado, sorrindo da magia daquele momento, enquanto o último convidado assistia a tudo de pé, atrás de todos eles, com um semblante sério.

O vestido dela era simples, mas do mesmo tom dominante das pétalas que caíam suavemente por todo o Parque, o mesmo tom da gravata que ele usava. Não era possível descrever o olhar que eles trocavam enquanto o sacerdote oficiava a cerimônia. Um olhar que prendia, abraçava, um olhar que de dentro, não apenas dos olhos, mas da própria alma de ambos que, nesse momento, parecia una. E, a um sinal do sacerdote, ambos trocaram as alianças e votos, sem mover em nada aquele olhar inebriante.

Foi como se a força do olhar os aproximasse cada vez mais até que, de olhos fechados, tocaram os lábios e um beijo que poderia ter durado toda uma eternidade...

... Mas que acabou interrompido assim que o convidado que estava em pé desmaiou.