sexta-feira, janeiro 27, 2012

Autólogos: conversando com um homem sentado na chuva


Um sábado desses aí, lá pelas 14 h, popularmente conhecida como "duas da tarde", a nossa conhecidíssima chuva da tarde antecipou o seu horário. Como estava a ir pra casa e não tinha nada nos bolsos (que pudesse estragar com a água) resolvi aproveitar o banho de chuva. Há tempos que não me largava a este deleite.

Andava sem pressa, a aproveitar a chuva, quando passei em frente à casa de um amigo. É uma construção pequena, uma casa situada no limite do terreno, bem atrás e com um amplo espaço a frente. Já o conheço ha algum tempo, mas o vejo muito pouco, antes tínhamos uma relação mais estreita, mas hoje em dia, por algum motivo, pouco nos falamos.

Não sei o porquê de ter olhado pelo portão, eu sabia de antemão que ele quase nunca estava em casa mas, pra minha surpresa, justamente nesse tarde, nesse dia e nessa chuva, ele estava lá. E o mais estranho: sentado sobre dois tijolos (em forma de T) a alguns passos da porta de entrada, sozinho, na chuva. Achei o fato deveras estranho.

O estreito portão vermelho, encravado num alto muro de lajotas de um azul bem escuro, estava apenas enconstado. Abri-o com o mais absoluto cuidado e caminhei pausadamente até ficar a uns três ou quatro passos de distância dele. Ele estava com uma bermuda jeans, as pernas afastadas e os cotovelos apoiados sobre os joelho, a cabeça baixa. Fiquei a observar durante alguns segundos quando, para minha surpresa, ele disse "E aí Magno, tudo beleza?", sem nem ao menos ter se virado ou, sequer, se mexido. Fiquei pasmo e, ao mesmo tempo, perplexo. Continuei parado e em silêncio. Ele se virou, com os olhos muito vermelhos, o cabelo pingando sobre a testa e um sorriso forçosamente amistoso que deixava transparecer uma angústia sem tamanho e disse, com uma voz rouca: "Sabia que era tu... não me pergunta como, mas eu sabia...". Aproximei-me e sentei em uma parte cimentada do chão ao lado dele e, durante um bom tempo, ficamos sem trocar uma só palavra.

O silêncio era quase absoluto, ouvia-se apenas o barulho da chuva. Concentrei-me nesse barulho, aparentemente uno, e pude distinguir os seus vários sons, tal qual uma orquestra em harmonia: A chuva que caía diretamente sobre a terra faziam um som diferente do que a chuva que caía nas pequenas poças de água já formadas; o som produzido com o choque com a parte cimentada era semelhante, porém menos impactante, que o som da água que escorria do telhado... e tinha o mais diferente de todos, a chuva que caía direto no telhado. Os sons iam e vinham, ora a se misturar, ora a se separar... a fluir, escorrer, cair e ressoar. Durante o que pareceu uma eternidade fiquei nesse estado contemplativo-meditativo.

Foi ele que primeiro rompeu o silêncio.

"Magno, essa casa tem, aproximadamente, uns quatro metros e meio de largura..."

No que ele disse isso, me pus a avaliar a casa: uma porta com quatro lajotas de largura, distante três lajotas do limite direito e oito do limite esquerdo, e uma janela no espaço central entre a porta e o limite esquerdo, quinze lajotas no total, lembrei de que cada lajota mede uns 30 cm e fiz as contas... 450 cm, ou seja, os quatro metros e meio que ele "chutou". Mas, em verdade, acho que ele já sabia a largura.

Pouco depois a chuva amainou, eu me despedi, ele retribuiu e eu fui embora, olhei pra trás e ele continuava imóvel. Ao chegar no portão a chuva parou, mas eu pude ouvir aqueles sons durante dias. Ainda hoje, se me esforçar, creio que posso ouví-los. Eles ficaram em algum lugar dentro de mim, não sei onde, mas ficaram.





Imagem: "Sitting In The Rain" de Pete Simon, disponível no Flickr

terça-feira, janeiro 17, 2012

Diana Nobre - Do trabalhador dócil ao devir-animal: um viver ético, estético e político em "A Metamorfose" de Franz Kafka

Através do método genealógico de Michel Foucault, este trabalho busca ser um campo de problematizações em torno da questão do trabalho imerso na obra A Metamorfose (2008) de Franz Kafka. Com isso, esta análise percorre desde a docilidade do caixeiro viajante Gregor Samsa até o seu devir-animal, em que se mostra metamorfoseado em barata.

Para tanto, partindo das pistas genealógicas de Michel Foucault, a análise da docilidade de Gregor é discutida através da tríade saber-poder-subjetivação, que estão imanentes na sua organização de trabalho, subjetivando-o, constituindo-o enquanto corpo dócil. Todavia, o caixeiro viajante Gregor encontra linhas de fuga que o fazem resistir às malhas microfísicas de poder deste trabalho, provocando assim rupturas nas mesmas. É neste momento, que discutimos sobre o processo de devir-animal de Gregor, através de Deleuze e Guattari (1997).

Além disso, esse devir-animal é problematizado, através da contribuição de diversos autores, enquanto afirmação do paradigma ético, estético e político, pois, é notório o quanto, a partir de sua metamorfose, Gregor se mostra ao mundo como obra de arte. Nestes termos, através de seu devir animal, Gregor Samsa afirma, diante da vida, o quanto é possível o processo de resistência e rupturas frente às cristalizações das organizações de trabalho. Haja vista que, conforme nos propõe Foucault (1988), onde há poder existe possibilidade de resistência.

Diana Nobre (2011)


Amores filosóficos


Achei o Hegeliano muito massa, creio que dá certo!!

quinta-feira, janeiro 12, 2012

No dia em que perdi meu sorriso (Haikai)


No dia em que perdi meu sorriso
Choveu até o céu escurecer
E ainda hoje, eu espero ele clarear

***


terça-feira, janeiro 03, 2012

Apenas mais uma lembrança perdida...


Mercado do Ver-o-Peso...

Lembrar de uma lembrança, curioso...

Não tenho muitas lembranças da minha infância, ou melhor, não tenho uma ordem lógica ou cronológica das minhas lembranças. Lembro de vários fatos, mas não sei precisar a idade que tinha quando aconteceram, ou se foram antes ou depois de determinado fato. Coisas desse tipo. Acho que só depois dos 12 anos, quando entrei no ensino médio (2º grau, na época) é que comecei a manter uma linha de lembranças mais coerente.

Pois bem, há pouco olhei este blog e percebi que há tempos não posto nada, feito isso, fui ao Google imagens atrás de uma imagem aleatória pra tentar despertar minha criatividade, acabei me deparando com algumas imagens do Mercado do Ver-o-Peso e, de imediato, lembrei-me da foto lá em cima (compartilhada há algum tempo no facebook)... Procurei, até que achei e, lembrando do Ver-o-Peso, lembrei desse fato que me aconteceu há uns anos, no início de 2006, pra ser mais preciso. Creio já tê-lo escrito em algum lugar, só não lembro onde. Ei-lo:

O nosso grupo de estudos da Unama já estava consolidado: Aline, Lincoln, Wagner e eu. Procrastinávamos durante a semana e estudávamos nos sábados, umas vezes na casa da Aline,  outras na casa do Wagner. Nesse sábado, a reunião era na casa da Aline, no Jurunas. Peguei um ônibus qualquer e desci em na José Malcher com a Alcindo Cacela, logo depois do meio-dia, peguei outro ônibus, o Arsenal, pra poder chegar ao meu destino. Até aí tudo normal, como nas outras infinitas vezes.
O grande cerne desse relato aconteceu ao passar em frente ao Mercado do Ver-o-Peso, milhares de vezes passara por lá e isso nunca acontecera antes:
O cheiro de peixe frito foi arrebatador. 
Voltei sabe-se lá quantos anos até um ponto perdido na minha infância.
Meu pai trabalhou durante um bom tempo na Yamada Matriz, que fica no Comércio e, portanto, conhecia bem os arredores e principalmente o Ver-o-Peso. Nisso lembrei de que eventualmente íamos com ele almoçar lá, meus irmãos e minha mãe, em verdade, eu não lembro (de fato) de nenhum deles indo conosco, mas tenho quase certeza de que eles estavam lá. Eu sempre comia peixe frito e, mesmo que me esforce, não consigo lembrar de mais nenhum detalhe.
Ainda frequento o "Veropa", como é popularmente conhecido, mas nunca mais tive um flashback desses, nenhuma outra lembrança perdida que pudesse ser magicamente resgatada.