terça-feira, julho 31, 2012

Rotineiricidades #6 - Andando de ônibus

"Rotineiricade" é um termo que, do fundo do coração, penso ter sido criado por mim. Criei-o com o intuito de descrever, sob uma holística diferenciada, certos eventos do cotidiano. Surgiu de algumas variações e junções das palavras "rotina" e "cidade" enquanto escrevia, um dia desses, em um certo bar na Rua do Horto. Pois bem, acho que isso não interessa, vamos à rotineiricidade da vez...

Depois da última mudança (de residência), andar de ônibus passou a ser um pequeno deleite, pelo fato de morar perto do final da linha do ônibus, ele sempre conseguia um bom lugar do lado da janela pra sentar e, de imediato, quedava-se naquela cruel dúvida diária: ler ou dormir. Eu sempre o ouvia dizer: "qualidade de vida pro pobre é morar perto do fim da linha do ônibus!", e ele aproveitava essa "qualidade de vida" entretendo-se entre essas duas paixões, a onírica e a literária. Acho que se pudesse ler enquanto dorme, considerar-se-ia conquistando a magna bem-aventurança!

Ontem, por exemplo, chegou a abrir o livro, mas ao primeiro parágrafo as pestanas pesaram e ele dormiu por todo o trajeto até o trabalho. Hoje, não obstante ao fato de ter dormido apenas 3 horas, estava sem sono. Sentou-se, leu dois capítulos de "On the road", do Jack Kerouac e ficou a remoê-los mentalmente, pra assimilar melhor a intensa narrativa. Das viagens de Sal Paradise, ele traçou um paralelo com as suas próprias viagens, muito embora nunca tenha feito nada parecido. Considerava como "viagens" as suas idas e vindas e viradas pessoais. Em apenas um ano, tinha tido tantas reviravoltas que pensou consigo mesmo, relembrando "Vinte e Nove"... "Quantas mortes ainda terei pela frente até que os vinte e nove anjos me apareçam?"

Como já havia abandonado a leitura e a cabeça arrastava-o em um turbilhão de lembranças, mesmo querendo, não conseguiu dormir. Encostou a cabeça na janela e começou a observar as pessoas. Em verdade, observar sem observar, via-os e, no mesmo instante, já não poderia dizer se olhara um homem ou uma mulher ou uma criança ou um dinossauro. E, pensando em dinossauros, veio-lhe à mente a última vez em que falara com o seu pequeno Yoshi...

(parentêsis)
...
(fim do parêntesis)

A conversa começou como todas as outras, o Yoshi dizia um "Oi pai!", bem rápido, parecendo alegre mas repleto de uma tristeza represada, no que ele respondia dizendo "Oi Yoshi!", no mesmo tom fingidamente alegre e calmo. Conversariam sobre qualquer coisa, a chuva, a praça e os pombinhos que fugiam assustados, uma professora da escola, um brinquedo, um desenho ou um filme legal, ambos segurando os próprios sentimentos. (Porque fazer isso?!?!). Em dado momento, quando um ou outro não mais pudesse se conter a "garotinha cega" entraria na conversa, ele sempre se preocupava mais com a saudade dela do que a sua própria: "Pai, a Toph quer falar contigo...". E daí em diante ele passaria alguns momentos voando e saboreando aquela doce voz que só repetia "Oi pai!", mas de forma bem diferente do outro, uma forma verdadeiramente alegre e apaixonada, não que o outro não o fosse! Ao contrário... Éramos (e ainda somos), os três, extremamente apaixonados, creio apenas que ele entendia a distância, ela não...

O ônibus parou na Praça Brasil, Senador Lemos com D. Pedro II, e só então ele percebeu que uma torrente de lágrimas descia-lhe pelo rosto, algumas pessoas passavam pela roleta e olhavam curiosas, outras não percebiam, uma senhora de idade, que estava na rua, deitou-lhe um olhar com tal benevolência que parecia ter lido todas as angústias que a trilha de lágrimas do seu rosto diziam.

Enxugou as lágrimas, recompôs-se, sem muito sucesso, desceu e entrou no trabalho. Estava exatamente uma hora atrasado.