quarta-feira, novembro 30, 2011

Apelo a um Proscrito

"Ao partir, não tive qualquer sentimento de libertação. Não era empolgante ficar solteiro outra vez. Tanto eu como Claire tínhamos perdido." (GRISHAM, John. O Advogado. p.94)

Ele me disse que foi exatamente assim, sem despedidas, sem perspectivas, somente dor e solidão.

Foi assim que aquele homem saiu pela última vez do lugar que ele chamava de lar, ou melhor, ainda chama. "Lar é onde o nosso coração vive", confessou-me ele dizendo que, mesmo tendo saído, deixara essa parte importante pra trás, seu coração. Não sabia como viveria daí em diante, incompleto, sozinho, despedaçado, mutilado. Não conseguia pensar de forma racional e abstraída (algo que conseguia fazer muito bem em outros tempos), não conseguia ver soluções ou saídas, não via futuro, horizontes, não conseguia ver um palmo além da dor que o consumia, um palmo além das sombras. Talvez seus pensamentos estivessem nublados pelos incontáveis dias que passara sem comer ou dormir. Talvez fosse só a amplitude das desastrosas mudanças que o estavam acometendo. Talvez fosse a visão de sua colheita, "todos colhem o que plantam" é o que dizem, isso é um fato.

Ele me disse que, ao entrar em sua nova habitação, uma pequena casa com três pequenos cômodos, ligou todas as luzes, andou de um lado a outro, tocou nas paredes, olhou do teto ao chão e desabou em prantos, caído no chão, em meio à lágrimas e um grito cortante que foi ouvido por todos os vizinhos.

Enfim estava só. Ou melhor, não completamente só, estava com todos os seus demônios: culpa, arrependimento, medo e solidão. Esses eram os que o espreitavam mais de mais perto, tocando-lhe a face, rindo de suas volumosas lágrimas, chacoteando de sua posição fetal, passando os dedos pelos seus cabelos. Ele não tinha força alguma para afastá-los, ou talvez não quisesse afastá-los, era merecedor de tal castigo, carregaria pra sempre estes estigmas.

Apesar de estar com todas as luzes acessas, sentiu-se num umbral. As lembranças de seus erros caíam como pedras, cada vez maiores e mais dolorosas, enquanto ele, indefeso, tremia no chão frio. Virou-se e viu que haviam mais demônios, surgiam de todos os lados e aglomeravam-se ao seu redor, todos queriam tocá-lo, eles sentiram o cheiro de seus sentimentos e queriam alimentar-se disso. Fecharam-se tanto que ele não pôde mais respirar. A muito custo levantou-se, deu alguns passos vacilantes e caiu no rio Aqueronte, sentia sua consciência se esvair, sua vida fluir para a água gélida do rio, foi quando sentiu uma pesada mão puxar-lhe parta superfície, era Caronte, não sabia se o agradecia ou não, fechou os olhos e desmaiou. Acordou no Hades e, ao que parece, está lá desde então.

Não lembro de nenhum mero mortal que tenha descido os umbrais e adentrado à morada de Hades e tenha retornado inteiro, ninguém à exceção de deidades e semideidades. Sabe, conheço-o há algum tempo e espero, sinceramente, que ele volte de lá, mesmo sabendo que isso o transformará em outra pessoa completamente diferente, não sei até que ponto as nefastas influências desse lugar irão lhe afetar. Queria poder ajudá-lo, mas creio que ele já está além de qualquer ajuda humana, não consigo imaginar o quão dolorosas, excruciantes e ensandecedoras serão suas vinte e nove mortes. Mas como disse, mesmo sendo ele um mero mortal, espero voltar a vê-lo novamente e, mesmo que o encontre aqui pelo mundo superior e ele não me reconheça, dar-lhe-ei um largo sorriso.

Abraços amigo. Conte comigo.



Um comentário:

Lucidea disse...

Ao lê esse post, era como se estivesse lendo a vida de um amigo e não sei se felizmente ou infelizmente colhemos o que plantamos.Mais nada explica o poder de um abraço "afago" amigo.