terça-feira, novembro 08, 2011

Lynn Hunt - A Invenção da Pornografia. Obscenidades e as origens da modernidade 1500 - 1800


A pornografia ainda provoca um intenso debate, mas, atualmente, no ocidente, está ao alcance de consumidores adultos e também de estudiosos. Ela não constituía uma categoria de literatura ou de representação visual independente e distinta antes do início do século XIX. Se a considerarmos como representação explícita de órgãos e práticas sexuais para estimular sensações, então, até meados ou final do século XVIII, a pornografia era sempre algo além. Na Europa, entre 1500 a 1800, era mais frequentemente um veículo que usava o sexo para chocar e criticar as autoridades políticas e religiosas. Porém, emergiu como vategoria distinta nos séculos entre o Renascimento e a Revolução Francesa, por causa, em parte, da difusão da própria cultura impressa, e seu desenvolvimento da pornografia ocorreu a partir dos avanços e retrocessos da atividade desordenada de escritores, pintores e gravadores, empenhados em por à prova os limites do decente e a censura da autoridade eclesiástica e secular.

Embora o desejo, a sensualidade, o erotismo e até mesmo a representação explícita de órgãos sexuais possam ser encontrados em muitos, senão em todos, tempos e lugares, a pornografia como categoria literal e artística parece ser um conceito tipicamente ocidental, com cronografia e geografia particulares. As principais fontes da tradição pornográfica podem ser encontradas na Itália do século XVI e na França e Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, além do antecedentes da Grécia e Roma antigas.

Em 1806 já havia uma tradição pornográfica francesa, que sofria uma forte repressão policial, dirigida à obras pornográficas clássicas e também a tipos mais efêmeros, dentre os quais, encabeçando a lista, figuravam L'Académie des dames e L'École des filles, os principais clássicos do século XVII. Embora os livros franceses contituíssem o núcleo da tradição pornográfica dos séculos XVII e XVIII, a primeira fonte moderna citada pelos estudiosos da pornografia - e por muito de seus sucessores - é o escritor italiano Pietro Arentino, com a obra Ragionamenti (1534-1536), que tornou-se o modelo da porsa pornográfica do século XVII. Nela, o autor desenvolveu diálogos realistas e satíricos entre uma mulher mais velha e experiente e outra jovem e inocente. A composição em diálogos dominou completamente a literatura pornográfica e aparece, por exemplo, em La Philosophie dans le boudoir (1795), do Marquês de Sade.

Entre a publicação de L'Académie des dames e L'École des filles, e a grande reformulação dos escritores pornográficos ocorrida na década de 1740, a produção desse gênero ficou estagnada. As publicações, no entanto, continuaram, especialmente a da pornografia política. Entretanto, nenhuma obra importante surgiu para incorporar-se aos clássicos. A literatura pornográfica ganhou um novo alento com a publicação de obras novas e influentes: Histoire de Dom Bougre, portier des Chartreux (1741) e Le Sopha (1737) de Crébillon; Les Bijoux indiscrets (1748), de Diderot; Thérèse philosophe (1748) e Fanny Hill (1748), de Cleland; além das obras do Marquês de Sade.

Entre 1790 e 1830, dependendo do país - mais cedo na França, depois na Grã-Bretanha -, as funções social e política da pornografia mudam. A pornografia perde sua subversividade política e torna-se um negócio comercial. Sobre esse momento, Wagner escreve: "nada resta a ser dito sobre o aspecto ideológico [...], o prazer sexual é o único objetivo".




FONTE:
HUNT, Lynn (Org.). A Invenção da Pornografia: Obscenidades e as Origens da Modernidade. 1ª ed. São Paulo: Hedra, 1999.

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